“Passei mal na prova. Acho que foi aquela picanha do jantar de ontem.”
“Na altura do km 32 senti o cansaço. Certamente não foi uma boa coisa ter ido pra balada nesta noite.”
“Tive dores estomacais absurdas! Não devia ter experimentado aquele bolo que a organização da prova entregou.”
“Fim do sonho: na penúltima semana de preparação, forcei demais no intervalado e arrumei um estiramento.”
“Forcei demais no pedal e quebrei na corrida.”
“Fiz a metade da maratona muito mais rápido do que deveria e depois do km35 me arrastei até a chegada.”
“Sai pra treinar no calor de 50 graus e sem água. Terminei podre e acabei com a semana de treinos.”
“Comprei um tênis novo na feira da prova e resolvi fazer a prova com ele: me dei mal.”
“Sempre fico enjoado em treinos longos com tanta coisa doce.”
“Treino muito e não consigo emagrecer. Mas também não vou abrir mão de comer salame e batata-frita.”
E os comentários na hora da largada? Estou com dor neste joelho, não dormi nada nesta noite, passei o dia caminhando ontem, acabei de chegar da night (versão carioca de balada).
Pra mim, há uma série de motivações para cada uma destas coisas: crença de ser super-herói imbatível, vontade de arrumar uma bela desculpa para um eventual mau resultado, querer mostrar que é atleta e não abriu mão de outros prazeres… Este é um tema extenso e que adoro, mas vou focar na principal consequência: isso te enche de desculpas, uma arma quase sempre fatal do cérebro contra você.
Todos nós que praticamos longas distâncias sabemos que o cérebro é parte importantíssima nos treinos e nas provas. Precisamos alimentar o cérebro com crenças de que estamos fazendo tudo certo e de que não há razão para que ele tentar nos parar.
Sei que este texto vai atrair meia dúzia de pensamentos e exemplos de pessoas que fazem o oposto do que vou listar e que têm boa performance! Mas será que elas não iriam além se mudassem alguns comportamentos?
O principal ponto pra mim é estar pronta para a prova. Na largada de Comrades e do Ironman, eu repetia pra mim: eu estou pronta para esta prova e sei o que fazer daqui até a linha de chegada! Vou listar o que considero importante para me sentir preparada:
- Escolher bons profissionais para acompanhar a minha preparação: treinador, nutricionista, médico do esporte, fisioterapeuta. Eu estudo, leio, questiono, pergunto, discuto… Mas acredito que por mais bem informada que seja não poderei ignorar o conhecimento e a experiência de alguém que trabalha com isso e lida com isso no dia a dia de forma profissional. Claro que cada vez mais sou mais atenta às minhas respostas e posso prever “problemas” quando vejo algum desajuste. Mas não abro mão da boa orientação.
- Estudar a prova que farei. Fará uma prova na neve e não procurou saber como se vestir? Está treinando para uma prova e não sabe se tem terreno acidentado? Descobrir na prova que tem inúmeras subidas ou enfrentar de forma despreparada as condições climáticas é ruim demais.
- Escolher e experimentar o vestuário / equipamento adequado. Cada prova tem sua necessidade. Há opções para todos os bolsos e certamente há uma forma de estar bem preparado pra enfrentar o desafio de forma planejada. O custo da prova não é só a inscrição, isto deve estar no pacote do investimento.
- Cuidar da alimentação e suplementação antes, durante e depois de treinos e provas. Talvez esteja aqui a coisa que mais impacta as performances em provas, porque atinge novatos e experientes, bem ou mal treinados. É fundamental atentar para seu combustível. Acredito e sou adepta do uso de suplementos. Uso todos os que são necessários e experimento os vários sabores e fabricantes. Obviamente, não uso nada que seja proibido ou que seja contra indicado pela nutri ou médico do esporte. Testar tudo em treino e seguir fielmente na prova é fundamental. Experimentar coisas em prova? Jamais! Eu não faço isso por opção, a não ser que algo saia muito errado (perder todos os meus suplementos durante a prova, roubo das sacolas de transição…). Da prova, uso exclusivamente água. O resto eu levo o que já testei. Falarei exclusivamente sobre suplementos (usar ou não) num outro texto.
- Seguir fielmente a planilha e dar feedbacks. Não consigo entender quem paga pela orientação e não segue. Um ou outro treino eu negocio com o coach, mas não invento nada da minha cabeça. Discutir com quem entende é muito válido.
- Cuidar dos detalhes e se planejar para treinos importantes e para o dia da prova. Há treinos que exigem uma maior organização de água, suplementos, sono… Algumas vezes não conseguimos fazer isso. Mas no dia da prova, a prova alvo do seu calendário, é inadmissível incorrer em “pecados” como se alimentar / hidratar mal, ir pra night…
- Seu melhor ritmo de prova = ritmo máximo possível para a distância. Não é raro acontecer, algumas pessoas pensam que farão mágica na prova: dobrar o melhor tempo da meia que ela fez na temporada em uma maratona, por exemplo. Se ela fez a meia “pra valer”, ela vai ter problemas se tentar fazer o mesmo ritmo na maratona…
Passamos horas e horas treinando para uma prova, pensando nela, investimos tempo, dinheiro, energia. Adequamos rotina, deixamos de fazer coisas. Claro que gostamos de tudo isso! Claro! Mas penso que todos nós também queremos fazer uma boa prova. Mesmo que o objetivo principal seja completar. Certamente ficaremos mais felizes se completarmos com a certeza de que fizemos o nosso melhor tempo para as condições da prova.
A prova pode ser dura demais mesmo estando com a alimentação e suplementação perfeita, as roupas mais adequadas, estando no ápice da sua preparacão física. Se você se dispuser a ir no seu limite, sua prova será bem dura. Se arrumar uma desculpa, pode ser igualmente dura, mas terá impacto na sua performance.
Minha opção é chegar o quão antes puder na linha de chegada e de usar meu pontinho de sofrimento para seguir forte e não para lidar com minhas tormentas e desculpas. Claro que ainda erro! Sigo amadurecendo!
Não dê razões para que seu cérebro argumente com você durante a prova… “você dormiu mal”, “você não treinou adequadamente”, “você comeu aquela picanha ontem”, “você não sabia desta ladeira…”. Afaste-se disso!
Esvazie seu “saco de desculpas”! Fortaleça seu corpo e sua mente!
Escrito por Aline Carvalho
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