A batida de bola na trave é o instrumento de tortura em massa mais eficiente que o homem já inventou – nem a Inquisição Espanhola, nem os torturadores chineses poderiam ter pensado em forma tão cruel de suplício. Precisando, desesperadamente de um golzinho e a bola teimar em não entrar por puro capricho das leis da estatística. Os fatores aleatórios que ditam o encontro de um corpo que se desloca em alta velocidade – a bola – ao bater em um obstáculo – o travessão – já provocaram o infarto de muita gente. Morreu do quê? – De bola na trave.
Tragédias para serem completas precisam ser imprevisíveis, por isso saber o final de uma história com antecedência tira-nos o gosto da narrativa e uma partida de futebol nada mais é do que a contação de uma bela história. Por isso, as incertezas da sorte e do azar, o desvio da bola, o gol quase feito ou no último minuto, ao apagar das luzes fazem do futebol um esporte tão arrebatador e apaixonante.
A impotência humana frente a essas forças desconhecidas, que num instante podem anular tudo aquilo pelo qual tanto nos empenhamos: estratégias perfeitas, treinos e preparações extenuantes, deixam-nos desarmados e perplexos, pois as leis da lógica e as da causa e do efeito se desmancham no ar. Na vida e no futebol nem sempre ganha o mais técnico e preparado. Jogos, classificações e carreiras são decididas pela aleatoriedade das bolas batidas na trave. Frente ao imprevisível, vamos buscar apoio na superstição, nas rezas e nas fórmulas mágicas das promessas para os santos. Depois das encruzilhadas o lugar onde se faz mais macumba é a pequena área do campo de futebol. São Jorge proteja nosso time!
O contra-senso é ter que aceitar a existência de bolas na trave mais bonitas do que gols: há aquela que bate com força e espirra para o lado, quando o atacante vê o empenho do seu trabalho se perder e, instantaneamente, leva as mãos em concha para o rosto lastimando o gol perdido, quase sempre com o movimento labial de um palavrão. Tem aquela que bate por dentro da baliza, espirra no chão – fora da linha de gol -, volta a bater na trave e vai mansinha para a mão do goleiro. E existem aquelas que passam tão rente que o povo diz: “passou tirando tinta.”
Fora dos gramados também existem bolas na trave, é quando nossos projetos, sonhos e negócios pifam. Instala-se a decepção e a lamúria e ficamos lastimando a falta de sorte que pode ter sido construída de forma inconsciente por nós mesmos, pois movidos por sentimentos ocultos, como a culpa e o medo do sucesso, auto-sabotamos nossos sonhos sem darmos conta do ato. Ao fugir das cobranças de pênaltis perdemos as oportunidades dos gols.
Das dezenas de estratégias empresariais que li, em nenhuma delas vi o tema “o imprevisível” ser estudado em profundidade. Ao fazer planos, não costumamos pensar no aleatório. César, aquele que se tornou o todo poderoso do Império Romano, se preocupou com isso. Ao atravessar com suas tropas o Rio Rubicão proclamou: “Alea jact est” – isto é, “Os dados estão lançados.” A bola poderia ter batido na trave e hoje nem saberíamos quem foi Júlio César.
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